quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

TEXTO EM HOMENAGEM A ALDA OLIVEIRA POR ZURAIDA ABUD BASTIÃO

UNIVERSIDADE FEDEREAL DA BAHIA
ESCOLA DE MÚSICA
20 ANOS DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA

MINHA HOMENAGEM À PROFESSORA ALDA OLIVEIRA 

Alda de Jesus Oliveira é natural de Salvador, Bahia. Filha de Maria Augusta Ribeiro de Jesus e Antonio Gonçalo de Jesus, sempre tão presentes em sua vida. Passou parte da sua infância no bairro Machado, na bela e calma cidade baixa da década de 1950. Da sua casa, escutou pela primeira vez o som do piano que vinha da vizinhança. A partir daquele momento não teve dúvida que queria tocar piano e foi muito incentivada por S. Jesus, seu pai, um apreciador de música e cinema. Estudou nos colégios estaduais João Florêncio Gomes e no Colégio da Bahia – mais conhecido como Colégio Central. Por quatro anos, residiu no prédio da Academia Baiana de Letras, de onde também chegava aos seus ouvidos as conversas daqueles baianos ilustres.
Aos sete anos de idade, começou a ter aulas particulares de piano na residência da professora Terezinha Aragão Requião, que havia sido aluna da Profa. Conceição Carneiro Bittencourt. Aos quinze anos, fez teste para o Instituto de Música da Bahia, onde mais tarde recebeu o grau de Bacharel em Piano em 1962, como aluna da Profa. Conceição Bittencourt. Posteriormente, ingressou nos Seminários de Música da Universidade Federal da Bahia, onde estudou com o pianista Fernando Lopes (piano), com o compositor e educador Ernst Widmer (educação musical), e outros professores da Escola de Música. Nesta instituição, obteve os graus de Bacharel em Piano (1968) e de Licenciada em Música (1971). No período de 1963 a 1967, Alda Oliveira trabalhou como professora de piano no Instituto de Música da Bahia. Nessa mesma época, envolveu-se com a prática de ensino de música para crianças, orientada pelo professor Widmer, com quem foi estimulada a ter liberdade para criar e refletir sobre suas próprias composições.
Alda participou do I Concurso Estadual de Piano organizado pela TV Itapoan, recebendo o primeiro prêmio, constando de um piano, um recital no Instituto Goethe de Salvador e a oportunidade de tocar como solista com a Orquestra da Universidade Federal da Bahia. Entre 1967 e 1973, exerceu o cargo de pianista para aulas de dança contemporânea na UFBA. Em 1966 foi contratada pela Escola de Dança – mas especificamente pela professora Dulce Aquino –, para integrar, como pianista, as aulas de dança moderna, acompanhando dançarinos famosos como Roger George, Rolf Gelewsky, Clyde Morgan, entre outros. Incentivada por Dulce Aquino e Rolf Gelewski, participou da pesquisa “Uma Metodologia para o Ensino de Integração Artística”, uma proposta interdisciplinar de articulação entre as diversas modalidades artísticas (Música, Dança, Teatro e Artes Visuais). Vale salientar que, naquela época, o caráter estético das aulas de integração artística na UFBA, em nada se assemelhava ao caráter multifacetado das aulas de educação artística nas universidades e escolas da rede oficial de ensino após a LDBEN 5.692, implantada em 1971. Neste mesmo ano, Alda Oliveira iniciou a carreira de professora universitária no recém criado curso de Licenciatura em Música da Escola de Música da UFBA, que foi implantado graças aos esforços de diversos professores, especialmente Jamary Oliveira e Manuel Veiga.
O curso de Licenciatura em Música da UFBA, apesar do seu modesto reconhecimento em nível local, serviu de base para a estruturação de muitos outros cursos de graduação em música no Brasil, e pode ser avaliado como pioneiro e inovador pois, desde o seu início, combinou os método ativos de educação musical com propostas educativas locais, baseadas em repertórios de músicas tradicionais e de vanguarda.
Uma diferença básica entre os cursos de licenciatura em música criados no Brasil, é que a licenciatura da EMUS/UFBA não adequou o seu currículo à Lei 5.692/71 que instituiu a disciplina Educação Artística nas escolas regulares. E uma das pessoas, nesta escola, que mais lutou para isto, foi a professora Alda Oliveira, que sempre defendeu as especificidades expressivas e a essência da área musical.
Em 1979, obteve grau de Mestre em Artes pela Universidade de Tufts, em Medford, Boston, e em 1986 o grau de Doutor em Filosofia pela Universidade do Texas em Austin (USA). Ao longo de sua trajetória acadêmica, desempenhou funções administrativas, artísticas, docentes, extensionistas e de pesquisa, além de ter participado de bancas de concursos docentes e de comissões de avaliação de programas de pós-graduação em música e em educação, no Brasil e na África do Sul.
Em 1990, atuou firmemente na implantação do Programa de Pós-Graduação em Música da EMUS/UFBA, criando o curso de mestrado em educação musical que, naquela época, era o segundo curso de mestrado em música na especialidade de educação musical criado no Brasil. Não foi um momento fácil, pois não se tinham textos relevantes em português que dessem sustentação à reflexão. Este foi um dos motivos que Alda começou a incentivar os alunos de educação musical a documentar as suas próprias práticas de ensino, e a discutir os processos e os problemas da área nas chamadas “Semanas de Educação Musical”, encontros que ela mesma concebeu e que até o presente momento integram as atividades dos Seminários Internacionais de Música.
Em decorrência da sua ampla visão acerca das necessidades da área e busca constante pelo seu fortalecimento, Alda criou em 1991, na cidade de Salvador, BA, a Associação Brasileira de Educação Musical – ABEM, tendo sido a sua primeira presidente (1991-1994). A ABEM tem influência primordial no processo de consolidação da área de música no Brasil. Por meio dos encontros regionais e anuais da ABEM e sua vasta produção acadêmica – no mínimo duas publicações por ano –, esta associação vem contribuindo significativamente para a formação docente e a melhoria do ensino de música de norte a sul do país, além de representar o Brasil na International Society for Music Education (ISME). Alda costuma dizer que a ABEM é uma associação ABENÇOADA. E ela está coberta de razão.
No período de 1992 a 1996, esteve à frente da direção da Escola de Música da UFBA, onde atuou, sobretudo, na informatização da escola; na coordenação pedagógica de todos os projetos de extensão; na realização do Projeto Sala de Concertos, trabalhando em prol da inter-relação da música popular com a música erudita; na abertura de concursos e contratação de profissionais competentes para atuar nas diferentes áreas da escola; como também nos trabalhos iniciais da reestruturação curricular dos cursos.
Ao deixar a direção da escola, dirigiu por dois anos (1997-1998) a Escola Pracatum – Escola Profissionalizante de Músicos – criada por Carlinhos Brown, onde concebeu um currículo centrado na expressão do aluno, intitulado “Tá Tocando”; recrutou uma equipe interdisciplinar de professores, deu treinamentos e acompanhou os trabalhos na área musical, fazendo articulações com as demais áreas do currículo.
Alda Oliveira presidiu a Comissão de Especialistas em Artes do Ministério de Educação no período de 1995 a 1998 e a Comissão de Especialistas em Música de 1998 a 2000. Os seus trabalhos junto ao MEC, em parceria com outros especialistas, resultaram na elaboração do documento Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Música, aprovadas em 2004, como também nas mudanças ocorridas no cenário da educação musical com a implantação da LDBEN 9.394/96 e documentos decorrentes, a exemplo dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs).  
Tem sido consultora para reformas e avaliações curriculares e institucionais em diferentes contextos socioculturais: atuou na reforma curricular do Instituto de Música da Universidade Católica de Salvador (UCSAL); nas atividades de criação e desenvolvimento do Research Travelling Institute para países africanos; foi co-presidente da Comissão de Pesquisa da ISME na gestão 2000-2002; integrou o Conselho Diretor da ISME de 2002 a 2006, contribuindo para a eleição da primeira presidente brasileira na ISME, a Profa. Dra. Liane Hentschke, sua grande amiga e parceira de pesquisa. Vale ressaltar que, em 2001, Alda recebeu o importante título de Housewright Eminent Scholar pela Flórida State University.
É pesquisadora nível 1A pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o que significa que, entre outros atributos de excelência, esta professora tem atendido aos critérios de números de artigos publicados e doutores formados. Como pesquisadora, tem trabalhado na linha de educação musical e cultura e currículo para a escola fundamental.
Uma contribuição relevante de Alda Oliveira para o Programa de Pós-Graduação da Escola de Música da UFBA é a sua maneira peculiar de conceber o processo de formação docente, que está fundamentada em investigações sobre as características individuais e competências pedagógicas do professor de música, em termos das criações e adaptações que ele pode desenvolver no seu planejamento didático, para aproximar os objetivos, conteúdos, atividades e repertórios musicais às situações incertas e desafiantes que se apresentam na prática profissional, em meio à diversidade de contextos socioculturais, interesses e conhecimentos prévios dos alunos.
Esta abordagem, denominada PONTES, é fruto de pesquisas da autora ao longo de sua trajetória acadêmica. Em artigo de 1979 sobre formação do professor, intitulado “A atividade do professor numa fase exploratória de um curso de expressão artística”, Oliveira já ressaltava a necessidade de uma educação específica para o docente que considerasse as próprias atividades do estudante como ponto de partida para o desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem.
Desde 2001, Alda Oliveira vem desenvolvendo pesquisas no ensino de música em contextos escolares e não escolares, na educação inclusiva e em trabalhos interdisciplinares. Além de mim, que encontrou na abordagem PONTES um suporte para desenvolver, testar e analisar um programa de formação de professores com ênfase em apreciação musical, a abordagem PONTES tem sido sistematicamente estudada e validada nesta pós-graduação por diversas pesquisadoras, a exemplo de Rejane Harder, Angelita Vander Broock, Mara Menezes, Harue Tanaka, Amélia Dias e Vilma Fogaça, uma equipe afinada de pesquisadoras que tem apresentado e publicado seus estudos em periódicos, encontros e congressos nacionais e internacionais da área de educação musical.
Num terreno predominantemente masculino, Alda Oliveira também marca sua presença como compositora de música contemporânea, profissão muito valorizada mundialmente. Estudou composição com Thomas Anderson e suas obras são executadas no Brasil e no exterior. Tem composições para piano, voz, conjuntos de câmera, entre outras formações: “Aziquirê” (para piano solo), “Bahianas” (para 13 instrumentos), “In Memoriam” (em memória de Lindembergue Cardoso, para voz, piano e percussão), que recebeu o 1º lugar do Instituto Goethe na Alemanha e no Brasil, “Cinco Canções para Voz” (para voz soprano e piano), “Agre-Som” (terceiro lugar no Concurso Nacional de Composição da Bahia). Como executante também tem trabalhos importantes: gravou em um disco vinil a “Prole do Bebê nº 2” de Villa-Lobos, peça difícil que tocou decorada na época do centenário de Villa-Lobos, e “Piano Piece”, de Jamary Oliveira. Também tocou quase todos os Lundus Brasiliensis de Ernst Widmer.
Depois de todo esse percurso, EMUS/UFBA, MEC, ABEM, PRACATUM, ISME, e seu trabalho como compositora e executante, Alda continua tendo grandes ideias e atuações musicais, sendo sócia fundadora do Centro de Produção, Documentação e Estudos de Música (SONARE), criado em 2004 e presidida pelo seu esposo Jamary Oliveira. A SONARE tem, em seu quadro social, diversos professores de música, a exemplo de Manuel Veiga, Ricardo Bordini, Fernando Cerqueira, Luciano Caroso, nosso saudoso, mas tão presente Fernando Burgos, entre outros profissionais. Tenho muito orgulho de também estar associada a esta instituição.
Diante de tal exposição, não é mais necessário dizer o quanto Alda Oliveira contribuiu e tem contribuído para este programa. O momento de comemoração dos 20 anos da pós é também um momento de avaliação, onde seguramente não podemos deixar de ressaltar que, se quisermos manter o conceito, os padrões de eficiência e qualidade que sempre caracterizaram o Programa de Pós-Graduação em Música da UFBA, devemos seguir exemplos como o desta brilhante educadora.
Para finalizar, expresso o meu especial agradecimento a Alda Oliveira que, na minha concepção, personifica as características da abordagem PONTES – Positiva, Observadora, Natural, Tecnicamente competente, Expressiva e Sensível –, não só no ensino, mas também no que se refere ao trato das relações cotidianas com sua querida família e amigos, que hoje estão aqui presentes para prestigiá-la.
Minha vida nesta escola começou no ano de 1965, quando ingressei no Curso Preparatório de Piano. Meus ouvidos, involuntariamente abertos para tudo que acontecia e se produzia nas salas de aula, corredores e cantina, vivenciaram nessa linha do tempo os momentos marcantes da história desta escola, os quais, conscientemente, eu não saberia relatar neste momento, mas que certamente estão gravados nas minhas outras memórias. Só deixei esta escola no período que decidi realizar outro curso na UFBA. Em 1992, ingressei na segunda turma de mestrado, reafirmando o meu interesse pela educação musical. A partir daí, minha convivência com Alda passou a ser mais constante e com ela aprendi a desenvolver o gosto pela pesquisa; a não desistir em frente à primeira dificuldade; a por em prática aquilo em que acredito. Tive o prazer de ser orientada por ela também no doutorado, período tenso e difícil, mas produtivo e inspirador. Enfim, agradeço a você Alda por ter me ajudado a construir uma relação bem íntima e amorosa com a educação musical.
Muito obrigada a todos.

Salvador, 5 de outubro de 2010
Zuraida Abud Bastião

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